La Casa de Papel/Reprodução: Antena 3 |
Sucesso de crítica e publico, La Casa de Papel se tornou rapidamente um fenômeno da internet, no Brasil - graças a Netflix que já disponibilizou as duas partes, não foi diferente. É possível que na timeline de muitos tenham aparecido vários posts e fotos da série; como ainda não vi a série, não posso afirmar que é incrível ou ruim, mas claramente da pra falar sobre os personagens e sobre a afeição que foi criada nessas ladras e ladrões "boa pinta".
Pra falar sobre isso, antes vamos voltar alguns anos no tempo. Mais exatamente em 1999 com uma das séries mais elogiadas e premiadas da história da TV norte-americana; Família Soprano da HBO que talvez seja a responsável por essa nova leva de anti-heróis empáticos na TV e no cinema. O personagem principal da série é Tony Soprano (James Gandolfini) um mafioso no melhor estilo O Poderoso Chefão (na série os personagens fazem referencia ao clássico do cinema) que no meio de problemas familiares, com a máfia e de ansiedade, começa a se consultar com uma psicóloga e aos poucos vamos entendendo como funciona a mente de Tony, o que fez ele ser o que é e como ele reage à todo esse universo de crime e família. E o que antes era tratado na arte como "bom e mal, preto e branco", em Família Soprano se torna mais complexo, deixando todos os personagens em tom de cinza e com motivações e respostas mais humanas; que nos aproxima deles - mesmo que não concordemos com assassinatos e tráfico de drogas.
Família Soprano/Reprodução: HBO |
God of War/Reprodução Sony Santa Monica Studios |
Bom mas o que faz a gente gostar tanto desses personagens problemáticos? Será que somos tão "ruins quanto eles" ou simplesmente porque eles(as) são os protagonistas de seus produtos? Talvez o melhor exemplo para [tentar] explicar esse efeito causado por esses personagens é Walter White (Bryan Cranston), personagem principal de Breaking Bad - uma das séries mais elogiadas dos últimos anos. Na série o personagem começa como um professor de química falido e descontente com sua vida. Com dois filhos e trabalhando em dois empregos para sustentar sua família; eis que Walter White descobre que está com câncer já em estado avançado, vendo que ele não vai ficar com sua família muito tempo e que ele não pode deixa-los desamparados, o professor resolve entrar no tráfico de drogas - mais especificamente a metanfetamina. Com seu vasto conhecimento em química, logo o professor consegue arranjar dinheiro suficiente para que sua família possa viver bem; mas sabemos que ele não para por aí e logo o que era uma saída para ajudar a família se torna uma obsessão e uma demonstração de poder e de importância que Walter White nunca havia provado antes em sua vida. Durante as cinco temporadas da série acompanhamos a ascensão e derrocada do professor que assume a alcunha de Heisenberg, vemos o que fez ele escolher esse caminho e o que o mantém nele; e por mais que nem sempre concordamos com suas atitudes é muito compreensível e isso trás em nós questionamentos sobre nossas vidas e nossas escolhas. O anti-herói faz brotar todos os anjos e demônios que habitam nossas mentes e com Walter White essa ideia fica evidente.
Breaking Bad/Reprodução: AMC |
Mais difícil que falar de Breaking Bad sem entrar em spoilers, é falar de La Casa de Papel sem ter assistido-a; porém já no primeiro momento a série chama atenção pela maneira que os personagens são tratados e como seus planos e suas visões de mundo afetam o roteiro, que brinca com o já conhecido modelo de história de assalto (heists) - que conta com o plano mirabolante, máscaras e a fuga sem deixar rastros. O que chama atenção na série são os nomes dos assaltantes - que assumem a identidade de cidades famosas, o que ajuda a entender as motivações e emoções destes. Assim como em Breaking Bad, o plano de fazer o grande roubo da casa da moeda parte de um pensamento que causa empatia nos espectadores; que acordos e reformas políticas no governo causaram um enriquecimento dos mais ricos enquanto o proletariado continua na m*rda. Fica fácil simpatizar com essa ideia nobre - que é facilmente remetida ao Robin Hood, porém assim como em nós, os demônios também afloram nesses personagens que começam a passear pelo cinza, não mais se tratando simplesmente de uma história de "roubar dos ricos para dar para os pobres". E ao mesmo tempo em que estes personagens são colocados cara a cara com seus demônios, nós na posição de espectador assumimos papel de cúmplice também; já que estamos junto com eles e torcemos pelo sucesso do plano. O anti-herói nesse ponto assume posição de nos fazer questionar nossos dogmas, ideologias e escolhas - eles nos fazem perceber que também não somos figuras tão simples assim e que em todo herói há vilania, e vice-versa.
Nos últimos anos as produções audiovisuais começaram a trabalhar muito mais com a ideia de anti-herói - em vista da dicotomia de "mocinho vs vilão" que já era mais conhecida do grande público, e não traduz bem o que realmente somos enquanto humanos. Desde produções mais antigas como Família Soprano, Breaking Bad, Mad Men ou a mais recente La Casa de Papel, elas nos fazem repensar o que é ser humano, e até onde vão nossas ideologias vs nossa necessidade de sobreviver. Se simpatizamos com eles ou se torcemos pela sua derrota - esta ultima opção que reflete o demônio que está em nós também. Muito além de ser apenas uma fuga pro já clichê "herói contra vilão", os anti-heróis trazem novas formas de questionar o mundo e até a própria estrutura de contar uma história - deixando-as mais verossímeis e/ou até mais ligadas a nós, do que queremos admitir.
[Atualizado 18/04/2018]
A Netflix confirmou nesta manhã a terceira parte de La Casa de Papel, com novos episódios em 2019. Desta vez a série será exclusiva do serviço de streaming. Confira o anúncio:
As duas primeiras partes de La Casa de Papel; todas as temporadas de Breaking Bad e Mad Men e a trilogia O Poderoso Chefão estão disponíveis na Netflix.Ainda tem muito Bella Ciao pra cantar. #LaCasaDePapel continua. pic.twitter.com/tjneG7JZt3— Netflix Brasil (@NetflixBrasil) April 18, 2018
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