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Euphoria: Drogas na adolescência, depressão e sexualidade

Reprodução: HBO



Provavelmente já fazem uns dois meses que o blog não vê um texto novo. Bom, e assuntos não faltaram nesse meio tempo; são 200 dias de caos na presidência. A terceira temporada de Stranger Things chegou e também teve o documentário Democracia em Vertigem causando muito barulho na twittersfera. Bom mas não é pra isso que esse texto é; como venho de um hiato grande desde o último texto e este, resolvi trazer um assunto do qual nunca tive oportunidade de escrever e que é combustível para muitos e muitos conteúdos que vemos nas timelines - sejam eles bons ou não.


É quase certo que você que está lendo esse texto conhece alguém que usa (ou já usou) drogas, que sofra de depressão e/ou ansiedade, alguém que não se relaciona bem na escola, que não é popular o suficiente. Conhece? Se sim, você julga essa pessoa pelo que ela transparece; e se julga, qual o seu parâmetro de comparação? Difícil responder isso mas acredito que todos nós vez ou outra na vida se deparou com isso na mente, e se hoje com pautas sociais e culturais no protagonismo do debate político fica mais fácil de desconstruirmos esse pensamento binário e preconceituoso. E é aqui que entramos no ponto chave - o que me motivou a escrever este texto - Euphoria, nova produção da HBO; cheia de polêmica e conteúdo essa nova série mostra um recorte de uma realidade muito comum entre as classes sociais menos pobres (a classe média). Drogas e adolescência são quase uma constante na vida de todos, mesmo a nível indireto essas coisas nos permeiam e [podem] dar identidade, conteúdo e amizades. 


Rue (Zendaya) é uma adolescente que acaba de sair da reabilitação depois de ter uma overdose; além de lidar com seu vício em drogas, a personagem também sofre de depressão e ansiedade - em toda sua infância ela foi medicada pela sua condição. Quando Rue volta para a casa da família logo ela começa a sua rotina antiga de sair e se drogar, ao mesmo tempo que enfrenta sequelas do ocorrido e os desafios da adolescência na escola. Bom e é no âmbito escolar que a série triunfa com sua narrativa, todos os personagens do núcleo escolar são muito bem escritos e os atores são ótimos. Nesse microcosmo que é a escola; somos obrigados a questionar de frente assuntos que nunca tem a devida atenção - pornografia, masculinidade tóxica e LGBTQfobia, com um toque de realismo e com o devido olhar crítico dos roteiristas dão; fazem com que não seja mais uma "tentativa de lacre" ou uma "glamourização do uso de drogas". 

Visualmente Euphoria é um espetáculo, com uma fotografia lisérgica e cheia de movimentos de câmera ousados, ilustrando como Rue vê o mundo. Ao mesmo tempo que a edição também ajuda a aumentar a imersão; além de uma trilha sonora excelente com curadoria de ninguém menos que Drake.


Numa realidade onde cada vez mais fica difícil o debate de tabus com a juventude; no meio de mídias sociais cada vez mais cheias com ódio e de um estado político aterrorizante, a arte passa de algo de caráter escapatório para o necessário com um espaço perfeito para questionar estes tabus. Assim como em textos passados, neste o impacto que uma obra teve no surgimento da ideia de trazer esses questionamentos para o Nada de New. É difícil falar de masculinidade tóxica, quando ainda não conseguimos avançar o debate sobre o papel do homem no feminismo; sobre reconhecer de fato o que é feminismo, o que significam essas bandeiras que hoje são colocadas como pautas exclusivas da "esquerda comunista". Ao mesmo tempo que também é necessário que se entenda que as mulheres trans hoje em dia se encontram vagando em meio a diferentes discursos de supostas pautas progressistas - essas ainda que enxergam a realidade como preto no branco; o que gera esse limbo social para muitos da comunidade LGBTQ. Na série, a personagem Jules vive essa realidade e de cara eu fiz uma associação com outra personagem trans da cultura pop, a Nomi de Sense8 também é questionada por outras mulheres sobre seu lugar e sua posição, ao mesmo tempo que ela também é questionada pela família. Ambas ficam vagando em meio a diferentes discursos que parecem não as agregar.

Quando jovens não conseguem encontrar suas identidades e lugares que acolham suas ideias já sabemos onde isso pode levar. Os mecanismos de escape são vários e Euphoria não abre mão de falar disso, sem nenhum tipo de romantização ou de glorificar esses gatilhos; com imagens e ações que nos colocamos na parede questionando tudo que a gente vê no nosso cotidiano. Hoje fica mais difícil ainda falar sobre drogas em um cenário polarizado como o que nos encontramos; o debate sempre tende a apontar para a maconha e esquecer de toda uma cultura de drogas lícitas que estão no horário nobre das propagandas e movimentam milhões e milhões de reais reforçando ainda mais uma cultura de álcool, falta de responsabilidade, desrespeito e misoginia.


Euphoria ainda não acabou de passar os primeiros episódios da temporada de estréia. E logo de cara a HBO já renovou a série para um segundo ano. Talvez não existiria um momento melhor para debater drogas e adolescência do que agora e toda a equipe que produz Euphoria sabe disso e não se refutam da responsabilidade que vem com essas pautas.

Com uma direção impecável em cada um dos episódios, uma cinematografia linda e esteticamente ambiciosa e personagens críveis e cheios de histórias e dilemas; essa é uma das séries do ano.


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