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O Preto no Topo, representatividade e o Pantera Negra.



Chegou hoje (15) nos cinemas nacionais Pantera Negra, o mais novo filme do universo cinematográfico da Marvel. E logo de antemão já aviso: É um p*ta filme! Ainda é meio cedo pra dizer que é o melhor filme da casa das ideias, mas de longe este é uma das melhores produções dos últimos anos; com uma história muito bem desenvolvida, personagens carismáticos e um herói que é O CARA.

Desde o anuncio do filme e quando começou a campanha de marketing, a expectativa era muito grande; já que Ryan Coogler (diretor de Creed) foi confirmado como diretor do longa. Esse seria o primeiro grande herói a ganhar um longa - até então outros personagens como o Blade ou até Hancook já tinham seus filmes, mas nenhum desses tem a importância do Pantera Negra. E em tela vemos toda essa importância do herói, tanto como um personagem importante para essa grande saga da Marvel (que vai culminar em Vingadores: Guerra Infinita), tanto como um personagem que pode falar com a sociedade, e que assim como a Mulher-Maravilha, é um grande exemplo de representatividade. O hype do filme só aumentou quando Kendrick Lamar anunciou no clipe da música LOVE. que estaria na trilha sonora do filme. O cara do hip-hip da atualidade lado a lado com o herói responsável por quebrar o recorde de pré-venda da Marvel nos EUA; uma combinação que resultou numa identidade sonora única para o filme.

Mas pra dar jus ao titulo desse texto, tenho que falar porque esse cara e esse filme são tão importantes assim. Na arte vemos um espaço para questionar padrões e expor pontos de vista e reflexões sobre a sociedade; e em grandes filmes de heróis vide os da Marvel era um tanto quanto difícil conseguir ver um discurso tão forte como vemos em Pantera Negra. O filme fala muito sobre segregação e o isso pode fazer com a sociedade preta - que perde o orgulho da sua cor, a identidade e até o respeito entre si. No filme o vilão (interpretado por Michael B. Jordan) é o contraponto dessa segregação, alguém que foi tão deixado de lado que resolveu assumir de vez o que tem de mais ruim - e mesmo o filme trabalhando com essa dicotomia de bom e mal; conseguimos ver em todos os personagens tons de cinza. Não se trata de arquétipos de mocinhos e bandidos, os personagens desse filme são mais complexos que a maioria dos personagens que a Marvel já apresentou; e essa complexidade do elenco faz com que a trama fale ainda mais com nossa sociedade racista. Já foi falado um pouco sobre o contexto racial americano num texto sobre Star Trek: Discovery, mas assim como nos EUA o Brasil tem um passado escravocrata e isto faz com que este filme converse muito com a gente. As situações de marginalização da população preta não é tão diferente e nem o sentimento de orgulho e vergonha.

Quando eu ouvi a hashtag Pretos no Topo pela primeira vez na música Poetas no Topo 2, mais especificamente no verso do Coruja BC1; o sentimento que me passou na cabeça foi o de que os pretos são um povo foda e devemos ser lembrados justamente por isso, e não porque fomos escravizados e colocados de lado pela sociedade. Criou em mim uma ideia de que "ser preto é ser foda", e é um discurso que muitos dos MC's da atualidade estão cantando por aí. No Brasil caras com Baco Exu do Blues, Rincon Sapiência, Coruja BC1, Nego E, e outros estão reforçando a ideia de cultivar o orgulho de ser preto para as novas gerações. Nos EUA, o Grammy 2018 foi um grande exemplo de representatividade, numa noite onde os dois grandes vencedores - Bruno Mars (com o álbum 24K Magic) e Kendrick Lamar (com o DAMN.) - ambos afro-americanos, cantando R&B e Rap respectivamente.
Kendrck Lamar no Grammy 2018.


Assistindo hoje o filme o conceito de Pretos no Topo ficou ainda mais fixado, no primeiro momento em que o Pantera entra em ação você percebe porque ele é o cara; e a maneira como o diretor filma ação é diferente do que já vimos em outros filmes da Marvel - com planos mais longos e menor uso de dubles, o que da uma liberdade maior para filmar as cenas. Destaque para a sequencia no cassino que é um plano sequencia que mostra tanto o T'Challa quanto as Dora Milaje em ação; não vemos o T'Challa em ação apenas como um herói mas também como o regente de Wakanda. E neste ponto o discurso racial é muito forte; na posição de o sucessor do trono o herói se vê na posição de fazer a diferença pela nação e ao mesmo tempo sente o peso do que significa ser um exemplo para o mundo, e nesse ponto o vilão Killmonger (Michael B. Jordan) é primordial; não se trata de um vilão genérico que esta ali apenas para encher a tela nas sequencias de ação. Killmonger viveu o outro lado da moeda e viu o racismo de perto e sabe que Wakanda pode mudar isso - assim como o T'Challa - porém seus métodos são radicais demais para o novo rei. Enquanto em Wakanda o futuro rei sempre teve grandes exemplos de pessoas fodas à sua volta (sua mãe, irmã - que é uma brilhante cientista e seu pai que era o antigo Pantera Negra), Erik Killmonger viveu num EUA onde discursos racistas propagam por todos os lados, entre crianças e adultos, onde o atual presidente é um racista.

Pela primeira vez um filme da Marvel veio com um discurso politico tão forte quanto esse. Com um personagem que é muito importante para a história de personagens pretos na cultura pop e com um elenco e diretor que sabem da responsabilidade cultural que tem em mãos, Pantera Negra destaca como um dos melhores filmes de herói e como um símbolo de representatividade para as próximas gerações. Assim como Mulher-Maravilha e Star Wars O Despertar da Força também apresentaram heroínas e heróis que são exemplos para todas as crianças; neste filme a preocupação de mostrar a importância da representatividade esta em todas as cenas - e é sintetizada quando um garoto olha maravilhado para o T'Challa e pergunta "quem é você ?". O Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro a ganhar uma HQ própria, abrindo espaço para muitos outros personagens que apareceram depois - como o Falcão ou até o Lanterna Verde John Stewart e Super Choque na DC Comics. A guerra contra o racismo ainda é longa e este filme foi um grande passo para o fim desta batalha; com personagens cativantes, um roteiro redondo e um herói fodão, Pantera Negra chega nos cinemas como mais que um filme, um reforço à #PretosNoTopo, como um grito de orgulho!

Pra ajudar a fazer esse texto além do filme Pantera Negra também usei outras fontes, como músicas e vídeos:

Emicida Pantera Negra:



Pineapple StormTV Poetas No Topo:



Nerdologia 307:



Nego E Lua Negra #VIDASNEGRASIMPORTAM:



Quadro em Branco: Joey Bads$$ | E o Capitão que a América precisa:



Kendrick Lamar, U2 e David Chappelle Grammy Performance:

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