Pular para o conteúdo principal

Insecure; [homem] falar de mansplaining é mansplaining ? e Lugar de Fala: parte #01


Escrito em 28 de setembro de 2018



Se este texto vai ser mais um exemplo de mansplaining eu não sei  - e nem quero que seja; embora o título de a entender tal coisa. Já me compliquei na primeira linha, e agora? Devo explicar o que é mansplaining ou este ato de explicar seria já um mansplaining; o paradoxo é quase que impossível de fugir ... mas o homem não pode aprender com a mulher? [e este mesmo, quando se recusa a se abrir e entender o mundo para além de seu p*nto, é realmente um escroto ou apenas uma pessoa afogada em insegurança?

[ESTE TEXTO NÃO TEM SPOILERS DA SÉRIE]

Reprodução: HBO

Agora que a deixa para falar sobre Insecure já tá aí, vamos primeiro contextualizar onde essa série existe: É uma produção original da HBO, criada, produzida e estrelada por Issa Rae. A série é uma comédia de erros que lembra muito outras produções do canal como Girls e Sexy in the City - tanto pelo elenco feminino, quanto pelos problemas que as amigas da série passam (relacionamentos, machismo e entre outros).

Issa Dee (Issa Rae) e Molly Carter (Yvonne Orji) são mulheres negras na Los Angeles pré e durante o governo Trump (na primeira temporada de 2016 o clima de tensão política já pairava, mas à partir do ano dois as referencias ao governo dele são mais frequentes); inseridas nessa sociedade norte-americana sombria, em meio a discursos racistas (movimentos como o Time's Up e #MeToo) as duas amigas levam a vida na cidade dos anjos com bom humor - nem sempre, já que a vida está sempre testando essas mulheres [hora com relacionamentos, hora com a vida profissional e etc]. Com um texto muito leve e primoroso, os episódios desenvolvem de maneira natural os personagens o que da mais credibilidade quando os vemos em situações extremas; além de uma fotografia sutil que constrói bem as emoções, junto do design de produção. Com as ótimas atuações de todo o elenco que compõe o núcleo de amigos e colegas de trabalho das amigas, a vida cheia de erros e aprendizados dramatizada [de maneira cômica] em Insecure, é uma viagem pelos nossos próprios caminhos - desde simpatizar com as situações (quem nunca fico falando com o espelho?), até momentos em que a série questiona de maneira direta o espectador.

Mas aí, o que uma série de comédia da HBO tem a ver com mansplaining e lugar de fala? Basicamente, não tem nada a ver uma coisa com a outra - mas também tem muita coisa. Confuso? Pra mim também é,e por isso este texto foi necessário; os "tempos sombrios" que Issa e Molly vivem em LA parecem muito semelhantes ao momento do Brasil. Temos um candidato racista, homofóbico e misógino entre os favoritos a Presidente da República e talvez não por coincidência, um movimento 100% feminista surgiu para derrubar um homem que usa sua posição para propagar um discurso de ódio misógino disfarçado de moralista e a favor da família. Constatações à parte, além de uma situação política semelhante à dos EUA, não é preciso dizer que todos os dias mulheres tem que se provar diante da sociedade; seja na vida profissional ou pessoal (se é que existe isso para mulheres). Com mulheres negras a situação é mais difícil ainda, somado a fatores ligados ao racismo e o passado escravocrata do país; as provações vão para além de questões de mérito e capacidade, mas também para fugir de um esteriótipo sexual -  muito difundido na TV brasileira e na música.



É possível você respeitar o lugar de fala do próximo e ao mesmo tempo lutar para que ele o tenha. Na arte encontramos vários exemplos de tal; e um dos mais atuais e brilhantes que eu gosto de pensar, é na música Moça Namoradeira de Rincon Sapiência, o MC trás um questionamento a sociedade em especial à posição do homem frente a relacionamentos, trata de maneira bem metafórica e leve a situação com um cuidado e sensibilidade que alguém fora da posição de fala de uma mulher deve ter. Não é uma comparação a obra de Rincon, mas assistir uma série "para mulheres" como Insecure trouxe muitas perguntas para mim, enquanto homem e enquanto homem negro; assim como a Issa Dee, também me encontro cheio de inseguranças frente a minha vida profissional e pessoal. E eu também não só posso, como tenho e sempre tive muito o que aprender com as manas. Ainda não sei se esse texto foi mais um exemplo de mansplaining, mas no fim dessa jornada de 3 temporadas de Insecure; textos e mais textos sobre mansplaining e conversar com diversas mulheres, a pergunta se torna mais e mais importante que respondê-la. Nos questionemos e nos policiemos.



O assunto não termina aqui, e uma vindoura segunda parte dese debate vem aí...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um texto sobre roupas.

É difícil afirmar com exatidão quando as vestimentas deixaram de ser apenas "ferramentas" para se tornar manifestações de identidade e de arte. Mas o que se pode ver hoje é que as roupas e o conceito abstrato do que é moda  é parte importante na construção de uma imagem dentro de um coletivo - enquanto uma identidade pessoal ou como manifestação de dogmas e emoções; levando mais a fundo as vestimentas de um individuo também funciona como um "mecanismo de julgamento" em muitos casos. Já foi discutido por aqui em um texto antigo sobre como existe uma, [quase que] urgência em rotular, em colocar em grupos específicos e restritos a características superficiais e muitas vezes misóginas/preconceituosas. Bom, já não é novidade pra ninguém que uma mulher sair na rua de short é um chamado aos mais variados julgamentos, quando se leva isso para outros movimentos e contextos sociais diferentes tais julgamentos tomam forma de ações preconceituosas que propagam uma cultura de s

Brasil: o abismo racial nos olhos da literatura

[ATUALIZADO 31/08/2018] Na última quinta (30) a Academia Brasileira de Letras elegeu o escritor Cacá Diegues para ocupar a cadeira número 7. Dentre os concorrentes, a vencedora do Jabuti Conceição Evaristo (a única escritora negra entre os indicados a cadeira) - leia mais . A escolha foi vista por muitos como mais um reflexo de mecanismos que propagam o racismo. Dentre as opiniões, a Mestre em Filosofia Política e colunista da revista Elle Brasil Djamila Ribeiro postou em seu Facebook: